7/12/2005

Crónicas da vida vulgar

Estavam sentados frente a frente, ela lia, ele olhava o caderno... Nenhum dos dois estava realmente a ver o que olhava. Ele começou: "Acho que devíamos acabar...". Não olhou para cima ( nunca olhamos, não é?). A perna dela, que antes batia ligeira e compassadamente no pé da mesa, estacou. A tensão sentia-se. Demorou a responder, concerteza já esperava (percebemos sempre antes...). "Porquê?" Não queria saber realmente porquê, queria que ele mudasse de ideias... "Sinto-me confuso..." (todos usamos esta desculpa, de vez em quando...). "Podemos dar um tempo...". Susteve a respiração, mediu as hipóteses: suplicar para que ele não a deixasse ou fingir que não queria realmente saber. Estava a ficar mais frio e mais escuro... na mesa ao lado alguém olhou de soslaio. "Não quero dar um tempo... quero acabar... não és bem aquilo que eu procuro." Sem olhar para cima, sem nunca a olhar. "Depois destes anos todos não sou o que procuras?" Reagiu, a raiva acumulava-se, quase que chorava... mas não, não à frente dele. "É uma fase difícil..." Agora olhou para ela. "Já não sinto o mesmo...percebes?" "Podemos ser amigos?" Ela tenta uma última vez... "É melhor não nos vermos durante um tempo." Falhou a tentativa. Ele olha o relógio... "tenho de ir"... rapidamente arruma as coisas. Ao sair da esplanada quase vemos o suspiro de alívio. Ela espera... fica impávida... põe os óculos de sol e olha a ponte ao longe... Agora sim, pode começar a chorar.

5 comentários:

Luís Viegas disse...

Se isso é autobiográfico, estás a passar por algo MUITO semelhante ao que eu estou a passar. É um grande trambolhão na estrada da vida. ( Que "poeta" que fui agora ... ) Mas de alguma maneira, e às vezes sem sabermos muito bem como, a nossa vida vai paulatinamente continuando. Os verdadeiros amigos aparecem nestas alturas e estão lá. Ajudam. Como é bom ter amigos. Repito, se o teu texto for autobiográfico, "junto-me" a ti no teu sofrimento.

Se foi apenas uma história inventada.. Bem.. Ao menos serviu para eu escrever e desabafar um pouco.

De qualquer das maneiras, a minha resposta terá servido para alguma coisa...

Um beijo e fica bem :*

Paulo Aroso Campos disse...

Belo texto, bonito. Triste para as personagens, ou pelo menos para uma delas... enfim, como dizia o Guterres (o original): é a vida!

ritinha disse...

Não, não é auto-biográfico. Eu estava na mesa ao lado a ver a cena a decorrer. Gosto de observar banalidades e descrevê-las como se não o fossem. É um exercício engraçado

Paulo Aroso Campos disse...

Interessante o facto de este post " (sorriso)" no blog www.nas-entrelinhas.blogspot.com ser complementar deste teu post.
Obrigado pelo comentário e elogios, vou tentar manter o nível! ;)
beijos

Humberto Coelho disse...

Não vou repetir aquilo que ja disse em comentários anteriores...